domingo, 7 de agosto de 2011

VIII - Células do Sangue, Imunologia e Coagulação - 1

1 – Hemácias, Leucócitos e Resistência à Infecção

A principal função das hemácias é portar a hemoglobina que leva oxigênio dos pulmões para os tecidos. As hemácias normais são discos bicôncavos e seu formato pode alterar-se notavelmente quando da sua passagem pelos capilares. Em indivíduos normais do sexo masculino o número médio de hemácias por milímetro cúbico é de 5.200.000, e no sexo feminino 4.700.000. 
Quando o hematócrito (porcentagem de hemácias no sangue – normalmente 40 a 45%) e a quantidade de hemoglobina em cada célula estão normais, o sangue conterá, em média,  de 13 a 15 g de hemoglobina em cada 100 ml. Na medula óssea existem  células-tronco hematopoéticas pluripotenciais, das quais se originam  as células presentes no sangue circulante.
Embora essas células se reproduzam continuamente durante toda a vida da pessoa, algumas delas permanecem exatamente iguais às células pluripotenciais originais, sendo mantidas na medula óssea como reserva. As primeiras descendentes, embora não aparentem ser  diferentes das células pluripotenciais,  já  se acham  comprometidas com diferentes linhagens de células, sendo chamadas de células primordiais comprometidas.
A célula primordial comprometida que produz eritrócitos é denominada unidade formadora de colônias de eritrócitos. O crescimento e a reprodução das diferentes células-tronco estão sob o controle de múltiplas proteínas, denominadas indutores de crescimento. Os indutores de crescimento promovem o crescimento, mas não a diferenciação das células. Esta é a função de um outro conjunto de proteínas denominadas indutores de diferenciação.
A massa total de hemácias no sistema circulatório é regulada dentro de limites muitos estreitos, de modo a sempre haver um número adequado de hemácias disponíveis para proporcionar oxigenação tecidual suficiente, sem que, no entanto, ocorra uma concentração celular que dificulte o fluxo sanguíneo. Qualquer condição que faça diminuir a quantidade de oxigênio transportada para os tecidos aumenta a velocidade de produção das hemácias. É o que ocorre em altitudes elevadas, onde o teor de oxigênio no ar é menor.
O principal fator que estimula a produção de hemácias é um hormônio denominado eritropoetina, que é sensível à hipóxia. Em pessoas normais, cerca de 90% de toda a eritropoetina é formada nos rins e o restante é formado principalmente no fígado. Duas vitaminas são particularmente importantes para a maturação final das hemácias, a vitamina B12 e o ácido fólico. Ambos são essenciais à síntese de DNA.
 Eritrócitos, mesmo  malformados, depois de passarem para o sangue circulante, são capazes de transportar oxigênio normalmente, mas sua fragilidade faz com que tenham vida curta. Uma causa comum da insuficiência de maturação é a incapacidade para absorver vitamina B12 (cianocobalamina) no tubo gastrintestinal, especificamente no íleo. Isso ocorre  na anemia perniciosa ou megaloblástica, em que a anormalidade básica é a atrofia da mucosa gástrica, com as células parietais deixando de produzir as secreções gástricas normais, em especial o fator intrínseco de Castle.
A síntese de hemoglobina começa nos proeritroblastos e continua até alguns dias depois das células passarem à corrente sanguínea, após saírem da medula óssea.  Uma etapa importante é a formação do heme, que contém um átomo de ferro. Em seguida, cada molécula de heme combina-se a uma cadeia polipeptídica longa denominada globina, formando a cadeia hemoglobínica. Quatro cadeias hemoglobínicas, por sua vez, ligam-se frouxamente entre sí para formar a molécula total da hemoglobina.
Há quatro átomos de ferro em cada molécula de hemoglobina; cada um deles pode ligar-se a uma molécula de oxigênio, perfazendo o total de quatro moléculas ou oito átomos de oxigênio que cada molécula de hemoglobina pode transportar. A característica mais importante da molécula de hemoglobina é sua capacidade de combinar-se frouxa e reversivelmente com o oxigênio.
Depois de passarem da medula óssea para o sistema circulatório, as hemácias normalmente circulam por 120 dias, em média, e então são destruídas. Essa destruição pode ocorrer no baço ou através do rompimento das membranas plasmáticas enfraquecidas, quando da passagem por regiões estreitas na circulação. A hemoglobina liberada pelas células que se rompem é fagocitada quase que imediatamente por macrófagos em todo o corpo, particularmente por aqueles localizados no fígado (células de Kupffer). A seguir, os macrófagos liberam o ferro da hemoglobina de volta para o sangue, para a produção de novas hemácias. Uma parte da molécula de hemoglobina degradada é convertida no pigmento biliar bilirrubina.
O processo de formação da bilirrubina inicia-se com parte da hemoglobina transformando-se em biliverdina, que se transforma em bilirrubina não-conjugada ou indireta, que se liga à albumina e vai para o fígado. No fígado ocorre a conjugação ou ligação da bilirrubina indireta ao glicuronídeo formando glicuronato de bilirrubina também conhecido como bilirrubina conjugada ou direta.
A bilirrubina conjugada pode ser armazenada na vesícula biliar ou daí seguir para a ampola de Váter e para o duodeno, sendo eliminada com as fezes. As anemias significam deficiência de hemácias e podem ser causadas basicamente por perda demasiadamente rápida ou por produção excessivamente lenta de hemácias.  A anemia aplástica indica que a medula óssea não está funcionando, está em aplasia.
Ocorre por exemplo em pessoas expostas à radiação gama, como a produzida pelas bombas atômicas, podendo levar à destruição total da medula óssea e à morte. As anemias hemolíticas ocorrem devido à fragilidade das hemácias e geralmente são hereditárias. Um desses tipos de anemia é a falciforme. Na anemia falciforme, a hemácia possui a aparência de uma foice e não de um disco bicôncavo.
Um dos principais efeitos da anemia é o aumento do débito cardíaco. 
Os leucócitos são as unidades móveis do sistema protetor do organismo. Seis diferentes tipos são normalmente encontrados no sangue: os polimorfonucleares (neutrófilos, basófilos e eosinófilos), os monócitos, os linfócitos e os plasmócitos. Os leucócitos são produzidos na medula óssea e nos tecidos linfóides. As plaquetas são fragmentos de um sétimo tipo de leucócito produzido pela medula óssea, o megacariócito. Os leucócitos eliminam elementos estranhos ao organismo por um mecanismo de fagocitose.
Os linfócitos e plasmócitos funcionam principalmente em conexão com o sistema imune. Além das células comprometidas com a formação de hemácias, formam-se na medula óssea duas grandes linhagens de leucócitos – a mielocítica e a linfocítica. A presença dos leucócitos no sangue possibilita seu rápido transporte para as áreas do corpo onde se fizerem necessários.
Uma vez nos tecidos, os monócitos aumentam de tamanho transformando-se em macrófagos teciduais e sob esta forma podem viver e atacar invasores infecciosos durante meses ou anos, a menos que, ao realizarem a fagocitose, sejam destruídos como decorrência do processo. São principalmente os neutrófilos e os macrófagos que atacam e destroem invasores como bactérias, vírus e outros agentes nocivos. Os leucócitos deslocam-se pelos espaços teciduais por movimento amebóide e são atraídos por quimiotaxia para os tecidos inflamados.
As substâncias naturais do corpo têm revestimentos protéicos protetores que repelem os fagócitos. Por outro lado, as partículas estranhas e tecidos mortos frequentemente são desprovidos desses revestimentos protetores, o que os torna sujeitos à fagocitose. Muitas vezes os anticorpos aderem à membrana bacteriana facilitando a fagocitose num processo denominado opsonização. Depois de fagocitadas, as partículas, em sua maioria, são digeridas por enzimas intracelulares.
A combinação de monócitos, macrófagos móveis, macrófagos teciduais fixos e algumas células endoteliais especializadas presentes na medula óssea, no baço e nos linfonodos constitui o sistema dos monócitos e macrófagos, que é também frequentemente chamado de sistema reticuloendotelial, pois acreditava-se que os macrófagos originavam-se das células endoteliais. Quando ocorre lesão tecidual causada por bactérias, traumatismos, compostos químicos, calor ou qualquer outro fenômeno, os tecidos lesados liberam substâncias que causam drásticas alterações em si próprios.
Todo esse complexo de alterações teciduais é denominado inflamação. Um dos primeiros resultados da inflamação é o de encapsular a área lesada, separando-a dos demais tecidos. A intensidade do processo inflamatório é geralmente proporcional ao grau de lesão tecidual. Os macrófagos teciduais constituem a primeira linha de defesa contra infecções. A invasão da área inflamada por neutrófilos é a segunda linha de defesa. Dentro de algumas horas ocorre neutrofilia, caracterizada pelo aumento agudo dos neutrófilos no sangue. Uma segunda invasão do tecido inflamado por macrófagos constitui a terceira linha de defesa.
O aumento da produção de granulócitos e monócitos constitui a quarta linha de defesa. O controle da resposta dos macrófagos e neutrófilos na inflamação ocorre a partir de substâncias como o fator de necrose tumoral e a interleucina-1. Os eosinófilos normalmente constituem 2 a 3% de todos os leucócitos sanguíneos. Eles são fracos como fagócitos e apresentam pouca quimiotaxia. Por outro lado, os eosinófilos são usualmente produzidos em número muito elevado em pessoas com infestações parasitárias, migrando para os tecidos acometidos pelos parasitas. Embora os parasitas sejam, em maioria, grandes demais para serem fagocitados pelos eosinófilos, ainda assim os eosinófilos fixam-se aos parasitas e liberam substâncias que matam muitos deles.
Os eosinófilos também têm propensão especial a se acumular em tecidos em que ocorreram reações alérgicas, como os tecidos peribrônquicos de pessoas asmáticas, ou na pele após reações cutâneas alérgicas e assim por diante. Os basófilos são semelhantes aos mastócitos e, assim como os mastócitos, liberam heparina no sangue impedindo a coagulação e acelerando a remoção de partículas gordurosas após uma refeição rica em lipídios.
Ocasionalmente observa-se uma afecção clínica conhecida como leucopenia ou agranulocitose, na qual a medula óssea para de produzir leucócitos, deixando o corpo desprotegido contra bactérias e outros agentes infecciosos. As leucemias são divididas em dois tipos gerais: as leucemias linfogênicas e as leucemias mielogênicas. As leucemias linfogênicas são causadas pela descontrolada produção cancerosa de células linfóides, produção essa que usualmente se inicia num linfonodo ou num outro tecido linfogênico e subsequentemente se dissemina para outras áreas do corpo.
O segundo tipo de leucemia, a leucemia mielogênica, inicia-se pela produção cancerosa de células mielogênicas jovens na medula óssea e depois se dissemina para todo o corpo, de tal modo que os leucócitos passam a ser produzidos em muitos órgãos além da medula óssea.

Na leucemia, muito comumente, desenvolvem-se infecções, anemia grave e tendência hemorrágica ocasionada pela trombocitopenia. Esses efeitos decorrem principalmente da substituição da medula óssea normal por células leucêmicas não funcionais. Talvez o mais significativo efeito da leucemia sobre o organismo seja o consumo excessivo de substratos metabólicos pelas células cancerosas em crescimento.

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